segunda-feira, março 07, 2005

Uma cova para mim



Eu morri, acho até engraçado dizer isso, pois até anteontem à noite eu estava vivo, não tenho certeza, mas acho que se eu não tivesse passado naquela livraria ao sair do trabalho, não teria tropeçado em nenhum degrau, não teria caído, não teria batido a cabeça e nem teria uma morte fulminante como falou o médico, dizem que na história não existe o se..., na vida também não, por issoprefiro não pensar muito no que aconteceria se eu estivesse vivo, além disso, morrer até que não é tão ruim. Não preciso mais acordar cedo para ir ao trabalho, nem tenho que pagar contas no final do mês. Posso ver tudo agora, enxergo o interior das pessoas, nesse momento minha família está chorando, essa parte é bem triste, porém existe um lado bom, pois já havia anos que todos meus familiares não se reuniam, agora estão juntos, chorando por mim, pelo jeito eu era bem querido, minha prima Eliana está linda nesse vestido preto, parece que finalmente encontrou um regime que funciona, ah, o Ricardinho também veio, não acho legal trazer crianças num enterro, mas ele já é um homem como costuma dizer, alem disso, insistiu tanto que tiveram que trazê-lo, vou sentir saudades de jogar vídeo game com esse danado, até meu tio Anísio apareceu, ele não se dá muito bem com minha mãe, desde a morte de meu pai, ela o culpou pelo acidente, afinal foi o Anísio que dirigia o carro, mas todos nós sabemos que ele não teve culpa alguma, minha mãe apenas descontou nele sua raiva por ter perdido o papai.
Hoje a mamãe queria me enterrar no mesmo cemitério em que meu pai está, ela acha que eu iria ficar feliz estando ao lado dele, no entanto minha mulher preferiu outro, que é mais bonito e lembra um jardim, como eu adorava cultivar a horta que tínhamos na casa lá do interior, ela acredita que eu gostarei mais daqui, o curioso é que nem na minha morte elas concordaram em alguma coisa, mas eu realmente não sei em qual dos cemitérios seria melhor, já estou morto mesmo, que diferença vai fazer? Durante meus três anos de casado, sempre pensei em ter um filho com minha mulher, mas preferimos esperar, um pouco, não sei se foi certo ter esperado, seria bom ter uma cria, um filhote meu, talvez se eu fosse pai, nem estivesse morto agora, os seres vivos só estão na terra para perpetuarem a espécie, como não fiz isso, acho que a Dona Natureza deve ter pensado: Esse ai não tem serventia nenhuma para mim, vou dar um fim nele, e então: Pluft! matou-me, ah, ela bem que poderia ter caprichado mais no meu fim, poxa, morrer de uma queda de uma escada comapenas quatro degraus? Se fosse uma escadaria enorme pelo menos, mas quatro degraus? Acho que se acontecesse com outra pessoa, minha mulher estaria rindo agora, ela possui um ótimo senso de humor, vou sentir falta dela, das suas gargalhadas, ela veio hoje para o enterro com o vestido azul escuro que usava quando nos conhecemos, lembro muito bem daquele dia, ela estava linda e sorridente como sempre, foi paixão a primeira risada, como ela costuma dizer, hoje também estou vestido com uma roupa especial, smoking, compramos para ir a uma festa, porém acabamos nem indo e o smoking ficou guardado, eu dizia sempre que só iria usá-lo quando morresse, queria ser um morto chique, ela não esqueceu, e hoje sou um morto chique! Mas agora tenho que ir, meu enterro está no fim, já irão me por dentro da cova, chegou a hora de descansar em paz, tchau, nos falamos de novo quando vocês morrerem também.


Comments:
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